Apresenta-se um resumo, com tradução e adequação ao contexto do ensino superior brasileiro, do artigo “What the Shift to Virtual Learning Could Mean for the Future of Higher Ed”, publicado na Harvard Business Review, de autoria de Vijay Govindarajan e Anup Srivastava, no último dia 31 de março.
(https://hbr.org/2020/03/what-the-shift-to-virtual-learning-could-mean-for-the-future-of-higher-ed)
Nosso objetivo é que a leitura desse artigo, conduza à reflexão sobre alguns aspectos apontados pelos autores e que, também, produza ressonância em nossas dúvidas e experiências desse ainda curto, mas intenso, período de mudanças para nossas instituições, professores e estudantes.
- Após o término do isolamento social, decorrente do Coronavírus, é melhor que todos os alunos retornem à sala de aula e continuem o status quo, ou teremos encontrado uma alternativa melhor?
- Depois dessa experiência ficará mais fácil mudar o ensino presencial para o modelo híbrido?
- É possível diminuir o tempo de integralização dos cursos de graduação? Como?
- Quais as formas que sua IES vem utilizando para aumentar o comprometimento e a dedicação dos alunos aos estudos, no formato a distância?
- Quais experiências e ações da substituição de aulas presenciais por aulas a distância você gostaria de compartilhar com as outras IES?
Cesar Lunkes
Maria Helena Krüger
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O que a mudança para a aprendizagem virtual pode significar para o futuro do ensino superior
Govindarajan, Vijay; Srivastava, ANUP
31 de março de 2020
As grandes mudanças na sociedade e nos negócios ocorrem quando eventos inesperados forçam a experimentação generalizada em torno de uma nova ideia.
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quando os homens americanos entraram em guerra, as mulheres provaram que podiam fazer o trabalho de “homens” – e fazê-lo bem. As mulheres nunca olharam para trás depois disso.
Da mesma forma, o problema do ano 2000 exigia o uso extensivo de engenheiros de software indianos, levando à triplicação de vistos baseados nos empregos concedidos pelos EUA. Hoje os indianos são líderes mundiais na solução de problemas de tecnologia. Alphabet, Microsoft, IBM e Adobe são hoje liderados por engenheiros nascidos na Índia.
No momento, a pandemia de Coronavírus está forçando a experimentação global do ensino remoto. Existem muitos indicadores de que essa crise vai transformar muitos aspectos da vida. A educação pode ser uma delas, se o ensino a distância provar ser um sucesso.
Mas como saberemos se é?
Quando esse experimento impulsionado pela crise é iniciado, devemos coletar dados e prestar atenção às perguntas, a seguir, sobre o modelo de negócios do ensino superior e a acessibilidade do ensino superior de qualidade.
A experiência com o ensino remoto pode facilitar a migração para o modelo híbrido?
Responder a essa pergunta requer uma compreensão de quais partes do modelo atual da formação de quatro anos podem ser substituídas, quais partes podem ser suplementadas e quais podem ser complementadas pelas tecnologias digitais.
Em teoria as palestras que requerem pouca personalização, ou interação humana, podem ser gravadas como apresentações multimídia, para serem assistidas pelos alunos em seu próprio ritmo e local.
Para esses cursos, as plataformas de tecnologia podem entregar o conteúdo a públicos muito grandes a baixo custo, sem sacrificar um dos importantes benefícios da sala de aula presencial que é a experiência social.
Isso encaminhará para a adoção do modelo híbrido de educação que tem o potencial de tornar a educação superior mais acessível para todos.
Mas podemos mudar para um modelo híbrido?
Estamos prestes a descobrir.
Não são apenas os alunos que estão tendo aulas remotamente, mesmo os professores, agora, são compelidos a dar essas aulas em suas casas. Os mesmos alunos e professores que se encontraram até algumas semanas atrás, nos cursos presenciais, agora estão tentando métodos alternativos.
Com o experimento atual, estudantes, professores e administradores de instituições de ensino devem manter um registro de quais turmas/classes estão se beneficiando com as aulas ministradas remotamente e quais não estão indo tão bem.
Necessário promover enquetes e discussões sobre a percepção de alunos e professores sobre questões de tecnologia, design do curso, entrega do curso e métodos de avaliação.
Esses são pontos que precisam ser acompanhados pois fornecerão dados importantes para a tomada de decisões futuras sobre quando – e por quê – algumas aulas devem ser ministradas remotamente, outras presenciais e quais aulas presenciais devem ser complementadas pela tecnologia.
Como devemos nos posicionar quanto a postura do estudante frente ao fato de não ter um docente exigindo, orientando e incentivando-o presencialmente?
Trabalhar a mudança de postura do aluno em relação ao novo formato de aprendizagem é um desafio pois requer desenvolver uma série de habilidades e atitudes exclusivamente do estudante que, por vezes, ele também, ainda, não desenvolveu no ensino presencial.
As atitudes individuais como comprometimento, organização/disciplina e autonomia com os estudos são requisitos indispensáveis para alcançar um bom resultado na aprendizagem a distância.
Para esse contexto ainda, e sempre, é de muito valia as palavras de HAIDT, R. (1994)[1] de quando o professor concebe o aluno como um ser ativo, que formula ideias, desenvolve conceitos e resolve problemas de vida prática através de sua atividade mental, construindo, assim, seu próprio conhecimento, a sua relação pedagógica muda. Não é mais uma relação unilateral, onde um professor transmite verbalmente conteúdos, já prontos, a um aluno passivo que o memorize. A utilização dessa alternativa é aconselhável, pois quando você alimenta no outro a potencialidade de crescimento ele busca sua independência e autoafirmação e assim a aprendizagem ocorrerá interligada e interdependente com todas as relações mantidas com o aluno.
Uma das grandes vantagens do modelo híbrido será o desenvolvimento de habilidades como flexibilidade e liberdade na busca de autonomia por parte dos alunos o que implicará no estabelecimento de uma relação diferente com seus professores para elucidar dúvidas e se comprometer com sua aprendizagem.
Quais melhorias são necessárias na infraestrutura de TI para torná-la mais adequada para a educação on-line?
Assim como muitos de nós, cujas agendas diárias se tornaram uma lista de reuniões virtuais podemos atestar que há problemas de hardware e software que devem ser resolvidos antes que o aprendizado remoto possa realmente decolar.
Não temos dúvidas de que as tecnologias digitais (móveis, nuvem, IA etc.) podem ser implantadas em escala, mas também sabemos que muito mais precisa ser feito. No lado do hardware, a capacidade da largura de banda e as desigualdades digitais precisam ser abordadas.
A educação on-line, no entanto, amplia o fosso digital. Os alunos ricos têm os laptops mais recentes, melhores larguras de banda, conexões Wi-Fi mais estáveis e dispositivos eletrônicos mais sofisticados.
Um estudo recente realizado aqui no Brasil, pela Educa Insights, demonstrou que um grande número de alunos com média e baixa renda, apesar de possuírem aparelhos celulares, possuem limitações, pois seus dispositivos não suportam muita diversidade de aplicativos e nem tem memória e processador suficiente.
Da mesma forma os computadores e notebook disponíveis nas residências, quando tem configurações melhores, normalmente são compartilhados com outros membros da família.
O software para teleconferências pode ser um bom começo, mas não pode lidar com algumas funcionalidades-chave, como acomodar turmas grandes, além de proporcionar uma experiência personalizada.
Nossa tecnologia é boa o suficiente para acomodar esses recursos Zirtualmente? O que mais precisa ser desenvolvido?
Instrutores e alunos devem observar e discutir seus pontos problemáticos, além de facilitar e exigir o desenvolvimento tecnológico nessas áreas.
Além disso, os cursos on-line exigem suporte educacional no local: designers instrutores, professores para garantir o aprendizado dos alunos e a conclusão do curso.
Quais esforços de treinamento são necessários para professores e alunos para facilitar mudanças de mentalidade e comportamento?
Nem todos os membros do corpo docente se sentem confortáveis com as salas de aula virtuais e há uma divisão digital entre aqueles que nunca usaram nem o equipamento audiovisual básico e aqueles professores que conhecem e são adeptos das novas tecnologias.
À medida que os estudantes de todo o país entrarem nas salas de aula on-line, observarão que muitos professores não estão capacitados para criar apresentações multimídia, com anotações e gráficos elaborados. Faculdades e universidades precisam usar esse momento para avaliar qual treinamento é necessário para proporcionar uma experiência tranquila.
Os alunos também enfrentam vários problemas com os cursos on-line. O compromisso de seguir o calendário da IES os obriga a concluir um curso, em vez de procrastiná-lo para sempre.
Tudo o que é feito on-line sofre com o tempo de atenção, porque os alunos executam várias tarefas, verificam e-mails, conversam com amigos e navegam na Web enquanto participam de palestras on-line.
Essas mentalidades podem mudar?
No momento, estamos (necessariamente, devido ao distanciamento social) executando experimentos de tentativa e erro para descobrir como e quanto essa mentalidade será modificada.
Professores e alunos estão se ajustando e se adequando no meio do semestre letivo. Os conteúdos programáticos dos cursos estão sendo revisados à medida que os cursos são ministrados. Os métodos de avaliação como exames e questionários, em tempo de aulas on-line, estão sendo planejados para garantir o acompanhamento do processo formativo do estudante.
Uma vasta experiência
A pandemia de coronavírus, em andamento, forçou um experimento global que poderia destacar as diferenças entre e o custo-benefício do conjunto de serviços oferecidos por uma instituição de ensino superior e a educação de baixo custo de um provedor de educação on-line, como o Coursera.
Alguns anos atrás, os especialistas previram que os massivos cursos on-line abertos (MOOCs), como Khan Academy, Coursera, Udacity e edX, matariam a educação superior, assim como as tecnologias digitais mataram os empregos das operadoras de telefonia e agentes de viagens.
Até agora, no entanto, a educação superior presencial resistiu ao teste do tempo.
O experimento atual pode mostrar que a educação presencial de quatro anos não pode mais descansar sobre os louros e ao que parece não deverá sobreviver senão incorporar atividades mediadas por tecnologia ou adotar o modelo híbrido.
A experiência que estamos vivenciando motivará transformações relevantes em todos os atores e processos educacionais de todos os níveis de formação. Cada instituição deve desenvolver sua própria expertise contando com o auxílio de parceiros, associações e até mesmo de seus concorrentes.
“A forma como experimentamos, testamos, registramos e entendemos nossas respostas a essa contingência determinará se, e como, a educação on-line se desenvolve como uma oportunidade para o futuro”.
GOVINDARAJAN, Vijay; SRIVASTAVA, Anup
[1] HAIDT, R. Curso de Didática Geral. São Paulo: Ática, 1994. 327p